18 agosto 2017

Ah, os privilégios!

Juiz de Direito em Mato Grosso, Mirko Vincenzo Giannotte, embolsa R$ 503.928,79 num mês e afirma estar dentro da lei. Evidentemente, nosso país produz leis aos borbotões e muitas delas, nascidas de acordos espúrios e moralmente insustentáveis, podem dar oportunidade à concessão de privilégios assustadores - como ocorre no caso desse juiz.

Mas - diferentemente do que afirmam - tanto o juiz como os que lhe deram cobertura, a exemplo da Associação Mato-grossense de Magistrados, vão frontalmente contra a lei maior, à qual todas as demais deveriam estar submetidas. A Constituição é clara ao determinar que “a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta e autárquica e funcional, dos membros de quaisquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios e dos detentores de mandato eletivo não poderão exceder o subsídio mensal em espécie dos ministros do Supremo Tribunal Federal”.

O que sempre me causa espanto é o fator narcisismo que ronda frequente mas não exclusivamente figuras ligadas ao Poder Judiciário. É próprio dos narcisistas enxergarem a si mesmos como figuras excelsas, sempre muito acima de todos, e merecedoras de atenções especialíssimas. Tudo lhes é permitido, nada lhes é vedado, pela simples razão de que se veem como seres superiores. Pela ótica distorcida e neurótica com que se conduzem, eles não têm privilégios, eles têm apenas direitos. Da certeza do privilégio, nasce o cinismo - daí a expressão de “não estar nem aí” proferida pelo citado juiz.

Mas vou além. Há uma certa orientação inconsciente à criminalidade em quem produz e em quem se serve de leis que criam privilégios. No entanto, no plano das aparências, tudo se reveste contrariamente de uma roupagem legal que chega a assustar.

Hoje se assiste a um esforço por parte do STF, especialmente da ministra Carmen Lúcia, de estancar essa sangria dos cofres públicos com os penduricalhos que ignoram o teto. Não creio que a longo prazo trará resultados. Quando muito, os haverá a curto prazo, para atender à justa revolta popular num momento de grave situação econômica.

Os chamados direitos adquiridos, mero chavão empregado muitas vezes para justificar privilégios injustificáveis, acabarão por vencer as medidas moralizadoras. Mesmo porque estas já foram tomadas antes e não deram resultado algum. Mais tarde, será devolvido com juros e correção monetária tudo aquilo que agora lhes venha a ser retirado por conta do teto.

13 agosto 2017

Enfim, meu blog de novo

Tomei uns bailes com a nova formatação do Blogger, fazia tempo não conseguia entrar no meu blog a não ser como leitor. Achei o caminho, estou de volta, com participação de vez em quando. Começo por relembrar que está na Amazon.com meu recente (e primeiro) romance: "Alfenins"
.
É uma história de gente comum, não há heróis. São apenas as trajetórias de pessoas que vencem na vida, de pessoas que perdem e de gente que simplesmente toca a vida sem grandes percalços.
A novidade, talvez, é que procuro mostrar como e por quê as pessoas são o que são. Todos, no fundo, são fortemente influenciados pelo seu passado e muitos não conseguem se libertar de condicionamentos negativos.
Esta é a espinha dorsal de "Alfenins". Mas não é nenhum tratado de psicologia.

03 julho 2017

Até que enfim

Só para registrar: depois de várias tentativas de entrar em meu blog, finalmente estou aqui.

29 outubro 2016

Latinório 2

Atribui-se a Santo Tomás de Aquino a expressão "Timeo hominem unius libri", que significa literalmente "Temo o homem de um livro só". 
Quanto ao significado da expressão, há duas interpretações.
Segundo uma delas, que também se atribui a Santo Tomás de Aquino, enfrentar um especialista, seja ele em que matéria for, é tarefa ingrata; o especialista se dedicou a fundo àquilo e dificilmente será sobrepujado.
Segundo outra interpretação, o "homem de um livro só" é o fanático, esteja ele no campo religioso, político, esportivo ou de regimes alimentares. Só ouve o que vem ao encontro de suas crenças, distorce os fatos  e tem por hábito desqualificar as pessoas que não comungam de seu pensamento que ele. Não percebe o quanto tem comportamento obsessivo.

17 agosto 2016

Latinório

Há muito tempo, Millôr Fernandes apontou que no lema da bandeira de Minas Gerais, o famoso "Libertas quae sera tamen", havia uma palavra sobrando: "tamen". Este pertenceria à continuação da frase e sua tradução seria "contudo". Mas o pessoal da época de criação do lema pensava diferente: quatro palavras em português devem corresponder a quatro palavras em latim, ora pois. 
Esse conceito matemático na base de x = x parece que continua valendo. Da famosa frase latina de Cícero, cuja tradução é "Afinal, até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência", deduziu-se que "Quousque tandem" se traduz por "Até quando", ora pois. Novamente o critério do x = x, que não tem nada a ver com traduções. "Quousque" já quer dizer "Até quando". Por sua vez, "tandem" é o "afinal" da citação traduzida acima.
Mas os jornais continuam insistindo que o nome da operação Quousque tandem se traduz por "até quando".

 

02 novembro 2014

Da Vinci e o Código Bananére: A propósito de certo passeio ao Hopi Hari

Da Vinci e o Código Bananére: A propósito de certo passeio ao Hopi Hari

A propósito de certo passeio ao Hopi Hari

Nesta quinta-feira passada, fui a uma escola da Zona Norte de São Paulo e, chegando lá, tive a desagradável surpresa de verificar que não havia aulas. O motivo da falta de alunos foi o que mais me surpreendeu: acontecia, na ocasião, uma excursão ao Hopi Hari.
Fala-se tanto em melhorar a educação no País, as manifestações de rua do ano passado bateram muito nessa tecla, todos os candidatos das últimas eleições apregoaram grande preocupação com o tema – e me deparo com quê? Com um passeio ao Hopi Hari em dia de aula.
O que há de contribuição cultural nisso eu não consigo ver.
O que me intriga, então, é a pergunta: quem ganha com tal iniciativa?
Os alunos eu diria que não! Somente foram ao passeio aqueles que puderam pagar a excursão e aos demais restou a opção de comparecer às aulas. Obviamente, não compareceram. Considerando que há uma favela nas proximidades da escola e que dela provém grande parte dos alunos, tem-se de cara uma forte exclusão dos menos favorecidos. Mais antipedagógico impossível.
Por enquanto, parece-me que saíram ganhando apenas o Hopi Hari, que vendeu os ingressos, e a empresa de turismo, que levou a criançada. Ou seja, uma jogada comercial prevaleceu sobre a educação. Quem mais?

Não sei detalhes de onde veio o dinheiro para pagar os ônibus, mas isso pouco me importa, nem pesquisei para saber. Tampouco estou interessado em partidarizar o tema. Apenas acho tudo isso muito estranho e lamento que num simples episódio como esse a educação tenha ido mais uma vez para o ralo. 
A falta de seriedade vem à tona em episódios como esse.

30 agosto 2014

Licença poética

Num pequeno poema de Mário Quintana, o primeiro verso dá um bom exemplo do que seja licença poética: a desobediência às leis gramaticais em prol da melhor expressão de um sentimento ou apenas da boa musicalidade. O verso original é este:
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Só o hábito de ler bons autores com frequência possibilita perceber a sutileza contida numa licença poética como esta.
Pelo Facebook, já recebi de mais de uma fonte uma versão piegas do poema original. A versão naturalmente altera o verso inicial (que fica sendo A vida são uns deveres...), piora o texto e termina com o acréscimo de alguns pensamentos banais sobre o amor – coisa que Mário Quintana nunca escreveu.
A internet infelizmente é uma fonte de baixíssima confiabilidade. Há sempre alguém “melhorando” algo a seu bel-prazer, sem nenhum respeito pela autenticidade do que publica e, sobretudo, sem nenhum respeito pelo direito autoral.
A quem interessar possa, aqui vai o poema original de Mário Quintana – cujo título é Seiscentos e sessenta e seis, e não outro inventado por aí:

A vida é uns deveres que trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...
Quando se vê, já é 6ª feira...
Quando se vê, passaram 60 anos...
Agora é tarde para ser reprovado...
E se me dessem – um dia – outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio,
seguia sempre, sempre em frente.

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil
das horas.


Licença poética

Num pequeno poema de Mário Quintana, o primeiro verso dá um bom exemplo do que seja licença poética: a desobediência às leis gramaticais em prol da melhor expressão de um sentimento ou apenas da boa musicalidade. O verso original é este:
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Só o hábito de ler bons autores com frequência possibilita perceber a sutileza contida numa licença poética como esta.
Pelo Facebook, já recebi de mais de uma fonte uma versão piegas do poema original. A versão naturalmente altera o verso inicial (que fica sendo A vida são uns deveres...), piora o texto e termina com o acréscimo de alguns pensamentos banais sobre o amor – coisa que Mário Quintana nunca escreveu.
A internet infelizmente é uma fonte de baixíssima confiabilidade. Há sempre alguém “melhorando” algo a seu bel-prazer, sem nenhum respeito pela autenticidade do que publica e, sobretudo, sem nenhum respeito pelo direito autoral.
A quem interessar possa, aqui vai o poema original de Mário Quintana – cujo título é Seiscentos e sessenta e seis, e não outro inventado por aí:

A vida é uns deveres que trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...
Quando se vê, já é 6ª feira...
Quando se vê, passaram 60 anos...
Agora é tarde para ser reprovado...
E se me dessem – um dia – outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio,
seguia sempre, sempre em frente.

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil
das horas.